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Acreditar em fake news é um “engana que eu gosto”

02/03/2020

Acreditar em fake news é um “engana que eu gosto”

É surpreendente que uma parte significativa da população acredite em fake news, já que há vários anos sabemos que muitas notícias que circulam em sites e redes sociais não são verdadeiras. O tema começou a ser discutido com mais intensidade nas eleições americanas de 2016, quando Donald Trump foi eleito presidente. No Brasil, uma enorme quantidade de fake news foi disseminada nas eleições de 2018 e até a recente epidemia de corona vírus já conta com um amplo repertório de notícias infundadas.

Ao contrário do poderíamos pensar, quem acredita em fake news não é tolinho ou um “inocente útil”. Nós cremos e reproduzimos certas informações, mesmo que não sejam verdadeiras, porque elas confirmam crenças preexistentes – é como um “me engana que eu gosto”.

No artigo acadêmico “Falando a Verdade Sobre Acreditar em Mentiras” (mencionado em um artigo da Folha durante as eleições de 2018), o cientista político Adam Berinsky, do MIT, comenta que quando as pessoas reproduzem notícias falsas elas estão refletindo suas crenças e não necessariamente acreditam naquela informação. Segundo o cientista, as fake news só “pegam” quando ancoradas em uma estrutura de crenças já estabelecidas. Ou seja, me engana que eu aceito e gosto.

Compromisso e coerência

Essa postura é explicada também no best-seller “As Armas da Persuasão”, de Robert Cialdini: trata-se do princípio psicológico do compromisso e coerência. Depois que fizemos uma escolha, enfrentamos pressões para nos comportar de maneira condizente com o compromisso assumido. E uma boa maneira de a pessoa ficar bem consigo é repassar o que ela acredita, mesmo que embalada em fake news.

Tomando como exemplo as eleições, quando um cidadão repassa uma notícia falsa sobre um determinado político, ele não está sendo apenas massa de manobra. Ele está transmitindo para os outros a sua opinião sobre o candidato e reiterando para si mesmo o seu posicionamento político-partidário. Mesmo os desinformados sabem se guiar pelas suas conveniências e “são convencidos” apenas por informações que coerentes com as suas opiniões.

Impulsionamento digital: fake ou real?

Outro expediente usado para “turbinar” ideias e pessoas na esfera política é o impulsionamento digital: compra de espaço patrocinado em redes sociais (como Facebook e Instagram) ou em buscadores como o Google para que o conteúdo apareça para mais usuários. Ao contrário das fake news, impulsionar conteúdo político-partidário não é ilegal, desde 2018 é permitido pelo Tributal Superior Eleitoral, desde que algumas regras sejam respeitadas.

Conteúdos impulsionados costumam ter mais curtidas, compartilhamentos e comentários do que um conteúdo idêntico, que não foi patrocinado, o que dá impressão que o candidato, ideia ou partido “impulsionado” tem mais adesão na sociedade do que realmente tem. Talvez por isso na última eleição os partidos declararam um gasto total de 77,2 milhões de reais em impulsionamento digital.

No livro “As Armas da Persuasão” há um capítulo que trata da importância da aprovação social, ou seja, a necessidade de encontrar nos outros indícios do comportamento mais apropriado a seguir. O mesmo princípio que rege o investimento em busca de likes e shares era usado em 1820, na Itália, onde artistas pagavam pessoas na plateia para inflar artificialmente as reações ao seu espetáculo. Aplausos custavam 10 liras, aplausos insistentes valiam 15 liras, interrupções como “bene!” ou “bravo!”, valiam 17 liras. Tal e qual um post patrocinado no Facebook, o importante era fazer de conta que o espetáculo era uma tremenda curtição.

O expediente esperto, de novo, era a exploração da necessidade do ser humano de ser aceito. Mesmo que o maior beneficiado fosse o produtor da ópera-bufa. A diferença aqui é quem ria por último gargalhava com dinheiro no bolso de um resultado artificial na bilheteria. Igualmente fake.

Esse texto foi produzido por Carlos Alencar e atualizado em 2.3.2020 por Mila de Oliveira.

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